Kiyoshi Harada

  

O § 1º do art. 153 da CF é norma de eficácia limitada, 
dependente de sua regulamentação por lei ordinária.

  

Neste breve artigo faremos uma abordagem estritamente técnica, com serenidade e longe das paixões políticas que tomaram conta nas discussões a respeito.

 

Dispõe o art. 153, § 1º da CF com lapidar clareza:

 

- Compete à União instituir impostos sobre:

I - importação de produtos estrangeiros;

II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;

III - renda e proventos de qualquer natureza;

IV - produtos industrializados;

V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

[...]

  • - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.

 

O Executivo, mediante invocação da Lei nº 8.894/94 que fixa os limites e condições para a majoração do IOF, por meio do Decreto nº 12.499/2025 elevou as alíquotas incidentes sobre o câmbio, o seguro e as operações de crédito omitindo-se quando às operações de valores mobiliários.

A Câmara dos Deputados sustou a aplicação do Decreto nº 12.499/2025, por meio do Decreto Legislativo nº 176/2025, sob o fundamento de que não mais se admite a majoração de tributos. Manteve silêncio sepulcral quanto aos limites e condições estabelecidos na Lei nº 8.894/94.

Judicializada a matéria perante o STF, o insigne Ministro Alexandre de Moraes suspendeu tanto o Decreto que aumentou o IOF, como também o Decreto Legislativo que sustou a majoração do imposto, assinalando o dia 15-7-2025 para conciliação.

A conciliação convocada fracassou, pois nenhuma das partes mostrou disposição de negociar.

Foi, então, que o insigne Ministro Alexandre de Moraes proferiu decisão liminar, validando parte dos aumentos e julgando inconstitucional apenas o aumento do IOF incidente sobre operações de “risco sacado”.

Não houve manutenção parcial do Decreto Legislativo nº 176/2025 da Câmara dos Deputados como era de se esperar.

Seguiram-se debates apaixonados pelas redes sociais condenando a ação do douto Ministro Alexandre de Moraes que teria desrespeitado a decisão soberana da Câmara dos Deputados que sustou o aumento por expressiva maioria.

 

Total prescindência da invocada Lei nº 8.894/94

 

Um importantíssimo aspecto vem sendo subtraído nos debates parlamentares, bem como no âmbito da judicialização, assim como nos comentários feitos pelas redes sociais.

O § 1º do art. 153 da Constituição é norma de eficácia limitada dependendo da sua regulamentação por lei ordinária, para deflagrar os jurídicos efeitos.

Refiro-me aos limites e condições fixados em lei, para o exercício do poder ordinatório. Ninguém tocou nesse assunto importantíssimo e essencial. Será uma prescindência por desconhecimento da matéria, ou será uma prescindência proposital? Não sabemos!

De fato, a Constituição Federal no § 1º do art. 153 subordina o aumento por Decreto à observância dos requisitos legais, no caso, a Lei nº 8.894/94, que fixa os limites e condições para o Poder Executivo proceder ao aumento do IOF por Decreto, no uso de sua função ordinatória.

Como se vê, esse § 1º do art. 153 da CF não é autoaplicável, mas totalmente dependente de regulamentação por lei ordinária, no caso, a Lei nº 8.894/94. É norma que deve ser interpretada, necessariamente, em conexão com a lei de regência da matéria, e nunca, isoladamente.

Fora dos limites fixados na Lei 8.894/94, o aumento do IOF somente poderá ocorrer por via de projeto legislativo, para vigorar a partir do exercício seguinte ao da sanção da lei, em obediência aos princípios da legalidade e da anterioridade tributária (art. 150, I e III, b da CF)

Logo, antes de tudo, impõe-se o exame dessa Lei, coisa que nem o Parlamento, nem o Judiciário fizeram e não vêm fazendo até hoje. De igual modo, os comentaristas da matéria vêm omitindo esse importante detalhe.

Tudo isso é muitíssimo estranho, pois, é elementarmente sabido que se a lei fixa limites e condições para aumento do imposto por Decreto, a primeira providência do intérprete deveria ser a de examinar essa lei, para verificar se o aumento ficou ou não dentro dos limites da lei.

Examinemos, pois, a Lei 8.894/94 para constatar que o Decreto nº 12.499/2025 extrapolou os limites legais.

 

Operações de crédito e de valores mobiliários

 

Art. 1º O Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários será cobrado à alíquota máxima de 1,5% ao dia, sobre o valor das operações de crédito e relativos a títulos e valores mobiliários.

[...]

  • 2o O Poder Executivo, obedecidos os limites máximos fixados neste artigo, poderá alterar as alíquotas tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal.                      

 

Verifica-se que ficou facultado ao Executivo reduzir ou aumentar as alíquotas do IOF respeitada a alíquota máxima de 1,5%.

E o aumento do IOF ficou rigorosamente dentro dos limites legais.

Nota-se, outrossim, que o Executivo, por esquecimento ou desconhecimento, deixou de alterar a alíquota incidente sobre operações de valores mobiliários que poderia ter seguido o mesmo caminho da elevação de alíquotas das operações de crédito.

 

Operações de câmbio

 

Art. 5º - O Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF), incidente sobre operações de câmbio será cobrado à alíquota de vinte e cinco por cento sobre o valor de liquidação da operação cambial.                

Parágrafo único. O Poder Executivo poderá reduzir e restabelecer a alíquota fixada neste artigo, tendo em vista os objetivos das políticas monetária, cambial e fiscal.

 

A primeira observação que se impõe é a de que em relação ao IOF incidente sobre o câmbio, a lei de regência da matéria não autorizou o Executivo aumentar a sua alíquota, mas, apenas reduzir e reconduzir à alíquota original.

Ao contrário do que ocorre na hipótese de aumento do imposto nas operações de crédito, nas operações de câmbio a lei de regência da matéria qualificou essa alteração por meio da expressão “ reduzir e restabelecer a alíquota fixada”.

Logo, o aumento da alíquota do IOF incidente sobre o câmbio é ilegal e inconstitucional por desobedecer ao comando constitucional que faz remissão à lei de regência.

Esse importantíssimo aspecto passou ao largo das discussões travadas na Câmara dos Deputados e no STF. E os comentaristas, igualmente, não se aperceberam desse relevantíssimo aspecto legal.

 

Operações de seguro

 

A Constituição facultou à lei possibilitar a alteração da alíquota do IOF incidente sobre as operações de seguro, mas, a Lei nº 8.894/94 não regulou os limites e condições para o exercício do poder ordinatório pelo Executivo.

Logo, sem fixação dos limites e condições, não há como o Executivo exercitar o seu poder regulatório.

Em consequência, o aumento do IOF incidente sobre as operações de seguro é absolutamente ilegal e inconstitucional. Deixou de majorar o IOF onde era lícito aumentar (operações sobre valores mobiliários) e elevou a alíquota onde não era permito, por ausência de norma regulamentadora.

Se o IOF é um imposto regulatório, pressupõe-se uma lei ordinária traçando os limites e condições para alteração de suas alíquotas por Decreto.

Infelizmente, nenhum desses relevantíssimos aspectos abordados neste sucinto artigo, expostos de forma clara e didática, foram apreciados pela Câmara dos Deputados ou pelo insigne Ministro Alexandre de Moraes que concedeu a medida liminar no bojo da ADC nº 96, para validar a maior parte dos aumentos do IOF.

 

Considerações finais

 

Os debates ficaram no plano meramente teórico e abstrato, para saber se o aumento do imposto tem natureza arrecadatória, ou se situou no plano da regulamentação dos setores alcançados pela elevação de alíquotas, com total prescindência das disposições da Lei nº 8.894/94 que cuida da matéria.

Com todas as vênias, os debates em torno da natureza arrecadatória ou regulatória do aumento do IOF estão totalmente prejudicados à medida que o governo, por meio de seu Ministro da Fazenda, Sr. Fernando Haddad, reafirmou categoricamente que o aumento é necessário para cobrir as despesas públicas, e não para regular setores desorganizados por acontecimentos atípicos, a exigir pronta intervenção do governo. Aliás, esses acontecimentos atípicos não ocorreram quer no plano interno, quer na órbita internacional.

É preciso que o Plenário do STF, a quem cabe julgar em definitivo por força da cláusula de reserva do Plenário (art. 97 da CF), analise o § 1º do art. 153 da CF em conexão com a Lei 8.894/94 que confere eficácia ao preceito constitucional referido.

 

SP, 28-7-2025.

 

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 1.151, de 29-7-2025.