(Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade)
Advogada USP 1981
Conselheira da OAB/SP
Conselheira do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo
Diretora da AATSP - Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo
Conselheira do CORT - Conselho de Relações do Trabalho da FIESP
Vice-presidente do Conselho Deliberativo da Aliança Francesa de São Paulo
Conselheira do Conselho do Trabalho e Emprego da FECOMÉRCIO
Este artigo analisa a influência da cultura francesa no desenvolvimento do direito brasileiro, destacando sua relevância nos âmbitos histórico, legislativo e doutrinário.
Desde o período colonial até a era contemporânea, a França exerceu uma influência significativa, especialmente por meio do Código Napoleônico, do positivismo jurídico e da doutrina civilista.
A pesquisa baseia-se em referências doutrinárias e bibliográficas para examinar as interações entre cultura, direito e história.
Conclui-se que a cultura francesa foi essencial para a formação do ordenamento jurídico brasileiro, influenciando tanto as instituições jurídicas quanto a mentalidade jurídica nacional.
(Palavras-chave: Cultura francesa, Direito brasileiro, Código Napoleônico, Direito civil, Influência doutrinária.)
- Introdução
A cultura francesa, reconhecida por sua riqueza intelectual e política, desempenhou um papel fundamental na formação de diversas tradições jurídicas pelo mundo, incluindo o Brasil.
Desde o período colonial, marcado pela introdução das ordenanças portuguesas influenciadas indiretamente pelo direito europeu, até a consolidação do Estado brasileiro no século XIX, a França contribuiu amplamente para estruturar o direito brasileiro, especialmente nas áreas do direito civil, penal e constitucional.
Este artigo explora como a cultura francesa, por meio de sua doutrina jurídica, legislações e ideais filosóficos, moldou e continua moldando o sistema jurídico brasileiro, com ênfase especial no impacto do Código Napoleônico e do positivismo jurídico.
A metodologia baseia-se em uma revisão bibliográfica e análise doutrinária, utilizando fontes clássicas e contemporâneas do direito brasileiro e francês.
O estudo está estruturado em quatro seções: a influência histórica, o impacto do Código Napoleônico, a doutrina jurídica francesa no Brasil e as contribuições contemporâneas.
2. A influência histórica da cultura francesa no direito brasileiro
A presença da cultura francesa no Brasil remonta ao período colonial, mas se intensificou com a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808.
A abertura dos portos e a chegada das ideias liberais oriundas da Revolução Francesa de 1789 introduziram conceitos como igualdade, liberdade e soberania popular, que influenciaram a Independência (1822) e a Constituição de 1824.
Segundo Caio Prado Jr. (1987), a elite brasileira do século XIX era fortemente influenciada pela cultura francesa, presente na literatura, na educação e no direito.
A criação das Academias de Direito de São Paulo (1827) e de Olinda (posteriormente transferida para Recife) reflete a adoção de modelos educacionais franceses, centrados no ensino do direito natural e do direito civil.
Além disso, a presença de imigrantes franceses e a circulação de obras jurídicas importadas da França reforçaram essa influência.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) inspirou a redação de várias constituições brasileiras, especialmente a de 1891, incorporando princípios de separação dos poderes e direitos individuais.
3. O impacto do Código Napoleônico no direito brasileiro
O Código Civil francês de 1804, conhecido como Código Napoleônico, representa um marco na história do direito ocidental e exerceu influência direta no Brasil, especialmente durante os períodos imperial e republicano.
Conforme aponta Clóvis Beviláqua (1906), o Código Napoleônico serviu de modelo para a elaboração da legislação civil brasileira, particularmente em matérias como propriedade, contratos e direito de família.
Esse código introduziu uma sistematização do direito civil baseada na igualdade formal entre cidadãos, rompendo com estruturas feudais.
Essa influência se concretizou no Código Civil brasileiro de 1916, redigido por Beviláqua, que incorporou princípios franceses como a autonomia da vontade e a centralidade do contrato.
O Código Penal brasileiro de 1830 também se inspirou no Código Penal francês de 1810, especialmente no que diz respeito à proporcionalidade das penas e à laicização do direito penal. Como bem destaca Tobias Barreto (1881), a influência francesa foi crucial na A influência francesa foi crucial na modernização do direito penal brasileiro.
4. A doutrina jurídica francesa no Brasil
A doutrina jurídica francesa foi amplamente absorvida pelos grandes juristas brasileiros, especialmente nos séculos XIX e início do XX.
Autores como Pothier, Domat e Savigny (embora alemão, muito lido na França) eram frequentemente citados em obras jurídicas brasileiras.
Segundo Maria Helena Diniz (2003), v.g., a doutrina civilista francesa forneceu fundamentos teóricos sólidos para a interpretação do direito privado brasileiro, particularmente em questões de obrigações e sucessões.
No campo do direito constitucional, temos as obras de Benjamin Constant e os ideais do liberalismo francês que tanto influenciaram o pensamento político brasileiro.
O positivismo jurídico de Auguste Comte também teve um forte impacto, sendo adotado por juristas como Rui Barbosa, defensor da supremacia da lei e da racionalização do direito.
Essa influência é visível na redação do Código Civil de 1916 e na consolidação do Estado laico sob a República.
5. As contribuições contemporâneas da cultura francesa
Ainda hoje, a cultura jurídica francesa exerce uma influência significativa no Brasil, especialmente em direito constitucional, direito administrativo e direitos humanos.
Autores como Michel Foucault e Pierre Bourdieu são frequentemente citados em estudos de sociologia jurídica.
O Brasil e a França mantêm acordos de cooperação em ensino jurídico e pesquisa.
Universidades brasileiras, como a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colaboram regularmente com instituições francesas, promovendo o intercâmbio de ideias e o desenvolvimento doutrinário.
6. Conclusão
A cultura francesa desempenhou um papel central na formação do direito brasileiro, influenciando a organização institucional e os fundamentos doutrinários.
O Código Napoleônico, o positivismo jurídico e a tradição civilista francesa marcaram profundamente os códigos civil, penal e constitucional brasileiros.
Até hoje, a França permanece como uma referência intelectual e acadêmica de grande importância para o direito brasileiro.
Destaca-se a relevância das influências culturais na elaboração dos sistemas jurídicos, demonstrando como os intercâmbios entre nações enriquecem o direito comparado.
Finalmente, enalteço sempre e muito o espírito francês , ao me valer do grande escritor Joachim du Bellay, ( século XVI), que nos brindou ao assim se expressar:
“France, mère des arts, des armes et des lois, Tu m'as nourri longtemps du lait de ta mamelle : Ores, comme un agneau qui sa nourrice appelle, Je remplis de ton nom les antres et les bois.
Si tu m'as pour enfant avoué quelquefois, Que ne me réponds-tu maintenant, ô cruelle ? France, France, réponds à ma triste querelle. Mais nul, sinon Écho, ne répond à ma voix.
Entre les loups cruels j'erre parmi la plaine, Je sens venir l'hiver, de qui la froide haleine D'une tremblante horreur fait hérisser ma peau.
Las, tes autres agneaux n'ont faute de pâture, Ils ne craignent le loup, le vent ni la froidure : Si ne suis-je pourtant le pire du troupeau.”
E finalizo com a linda declaração de amor feita pelo norte americano Thomas Jefferson, que não poderia ter sido mais feliz ao assim se expressar:
“ Tout le monde a deux patries, la sienne et la France”.
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Referências bibliográficas
1. BARRETO, Tobias. Estudos de Direito. Recife: Typographia Central, 1881.
2. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil Comentado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1906.
3. CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
4. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003.
5. GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
6. MEIRA, Silvio. O Ensino Jurídico no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2004.
7. PRADO JR., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1987.
Referências doutrinárias
1. CONSTANT, Benjamin. Principes de politique. Trad. Sergio Bath. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
2. POTHIER, Robert Joseph. Traité des obligations. Trad. Ricardo R. Gama. Campinas: Bookseller, 2000.
3. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du Contrat Social. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.